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Periferia e Pandemia

Das viagens ao exterior às favelas e comunidades

Por: Bruna Gimenez da Silva ¹

 

Você provavelmente se deparou com um volume grande de “memes” no período do Carnaval alegando que o COVID-19 não atingiria a população mais pobre do Brasil, visto que, apenas a classe alta realiza viagens para o exterior e, até então, o vírus não estava instaurado no nosso país. Contudo, não demorou em observarmos que estávamos enganados... Já no dia 26 de fevereiro, depois de tantos bloquinhos, foi diagnosticado o primeiro caso de Coronavírus no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, a vítima foi um homem de 61 anos que havia retornado de viagem para a Itália há pouco tempo. O tratamento foi feito no hospital Albert Einstein e, felizmente, duas semanas depois já estava curado.


De fato, os primeiros casos afetaram indivíduos com uma condição financeira mais elevada. Entretanto, com um crescimento vertiginoso, alastrou-se, e ainda se alastra, por todas as classes sociais, sendo ainda maior nas regiões periféricas, como estamos acompanhando mais recentemente. Para compreendermos melhor, até o dia em que escrevi este texto, em São Paulo os bairros Água Rasa, Pari, Artur Alvim, Limão e Alto de Pinheiros, são os que registraram o maior número de mortes suspeitas ou confirmadas pelo novo coronavírus a cada 100 mil habitantes (via G1). Apesar da população acima dos 60 anos ser o principal grupo de risco, nas periferias certamente todos são. Digo isto porque, nas áreas mais carentes, a quantidade de jovens é superior a de idosos, e mesmo assim, o número de contágios e de mortes segue crescendo. Nesse momento, acredito que você, assim como eu, esteja se perguntando “o que houve para isto acontecer?”. Bom, basta olharmos para as desigualdades sociais no Brasil.


Tenho como recordação, de minha época de vestibulanda, a leitura do livro “Capitães da Areia”, do escritor Jorge Amado. Lembro-me da leitura que os problemas sociais vivenciados pelos personagens da obra, onde a história se passou no início do século XX, eram comparáveis com as dificuldades que muitos brasileiros ainda passam nos dias atuais. Podemos observar uma delas no trecho extraído do livro, onde a população vivia uma epidemia (quando há o surto de uma doença em uma dada região ou população) de varíola:

“Só a reza das sentinelas, o choro convulsivo das mulheres. Assim estava o morro quando Estêvão foi levado para o lazareto. Não voltou, certa tarde Margarida soube que ele morrera por lá. Nesta tarde ela já estava com febre.”

Notou alguma semelhança com a pandemia de 2020? Nos “morros” do Brasil encontramos muitos Estêvãos e Margaridas. Sabemos que para não ser contaminado, é necessário evitar aglomerações e lavar as mãos com água e sabão constantemente, ações estas que soam simples, mas como manter distância quando a moradia possui poucos cômodos e você a divide com 5, 6 pessoas? Aliás, há quem enfrente uma situação ainda mais crítica: a ausência de saneamento básico (saiba mais aqui).


Há, ainda, problemas relacionados a empregos, desempregos, redução de salários e a ausências deles. Nesse quesito, todos os trabalhadores estão sob dificuldades. Mais de 6 milhões de empregados(as) com a carteira assinada tiveram os salários reduzidos ou o contrato suspenso (veja em Gazeta do Povo). Mesmo com tais empecilhos, uma significativa parcela está com a oportunidade de usufruir do home office. Já outros, não têm esse privilégio. A população que não dispõe de uma renda fixa, entre eles os comerciantes ambulantes e aqueles que vivem de “bico”, continuam indo para as ruas a fim de vender os seus produtos, mesmo sabendo que estão mais suscetíveis a contrair o vírus. Em pesquisa recente constatou-se que 26% dos trabalhadores com renda superior a salários foram prejudicados pela pandemia, já na “classe c” 56% dos trabalhadores que ganham até dois salários estão sendo afetados. A porcentagem se eleva para 77% ao analisar as pessoas sem salário fixo ou desempregadas. Dessa forma, a periferia, além de lutar contra o vírus, luta também pela garantia de suas refeições diárias, de manter-se viva.


E a educação? Nesses tempos sombrios, temos a suspensão das aulas presenciais e a aderência ao Ensino à Distância. Como licencianda e estudante, vejo que os professores estão se empenhando em ministrar aulas on-line tentando manter a ótima e merecida qualidade. Porém, a maneira encontrada para que não haja a perda de dias letivos não é inclusiva e nem igualitária. Sabemos que não são todos os estudantes que dispõem de computadores em casa, acesso à internet e um ambiente favorável aos estudos. Até então, o ENEM segue com a sua data marcada. Não há como os estudantes do 3º ano do ensino médio, aqueles da periferia, que não conseguem acompanhar as aulas on-line, disputar com aqueles que têm essa oportunidade e tantas outras, e tantos outros recursos.


Diante das condições difíceis que a periferia está passando, acredito que o trecho de uma canção da banda Skank sintetize uma reflexão que os mais privilegiados possam vir a fazer:

“[...] a barra já pesou. Quem ignora erra. Quem ignora errou”.

Neste momento, enfrentamos dificuldades hospitalares, políticas, econômicas e, sobretudo, sociais. A consequência dos 14 milhões de brasileiros estarem no índice de extrema pobreza é devida à baixa implantação de políticas estruturais de combate à desigualdade social. Apesar da invisibilidade da periferia frente ao poder público, já passou da hora dos cidadãos em uma situação financeira melhor não fazerem o mesmo. A solidariedade e empatia são qualidades e ações que podem suavizar a “barra” de muitas famílias. Mais do que isso, é preciso somar-se à luta contra a desigualdade social.


Torna-se evidente que não dá para seguir ignorando e, por conseguinte, errando.

¹ Professora e Cientista em formação na UNIFESP. Integrante do Observatório de Educação e Sustentabilidade – UNIFESP. Participante do Grupo de Pesquisa Movimentos Docentes. E-mail: gimenezsbruna@gmail.com Download desta matéria.

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