Aquele filme que começa com o descaso da ciência e termina com… vocês sabem o que. - Brasil 2020, direção de Jair Bolsonaro.
Por: Isabella Guedes Cavalcante¹
Nos últimos anos foi observado um aumento no número de doenças respiratórias cuja fonte de transmissão ocorre pelo contato humano com animais selvagens infectados. As chamadas doenças zoonóticas, que já contabilizam 60% das doenças infecciosas humanas e 75% das doenças infecciosas emergentes do mundo. como a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), síndrome respiratória aguda súbita (SARS) e Ebola, estão cada vez mais frequentes. Nos últimos anos ouvimos e vivemos crises como as causadas pela gripe aviária, doença do vírus Zika e, agora, o tal do Coronavírus. Emergências sanitárias como estas, cada vez mais comuns, pioram à medida que habitats naturais são destruídos pela ganância humana, demonstrada por meio do aumento no desmatamento, causador da redução e fragmentação de habitats, a poluição, proliferação de espécies invasoras, o mercado ilegal de venda de animais selvagens, os chamados Wet Market, e mais do que nunca, as mudanças climáticas.
Apesar da história já ter contado inúmeras vezes como situações como estas começam, evoluem e acabam, muitos ainda não acreditam que o que estamos vivendo hoje é algo sério e que irá ocorrer novamente. O ponto é que doenças como essas são disseminadas há anos, em escalas diferentes, e mesmo com todo nosso avanço científico e tecnológico que tem lá suas dificuldades em enfrenta-las, ainda sim, é possível prever que momentos como este que vivemos, voltarão a nos assombrar em poucos anos, se continuarmos agindo da forma como vivemos hoje. Já não devemos mais nos perguntar se uma nova pandemia vai acontecer, mas sim, quando. Isto, por exemplo, fica evidente na série “Explicando” da Netflix, que antecedeu, em 2019, o prenúncio da pandemia.
Apesar de toda descrença da sociedade, cientistas de todo mundo estão se unindo, mais do que nunca, para poder descobrir uma vacina que possa nos salvar deste e dos futuros picos da doença. O problema é que desenvolver uma vacina não é tarefa simples, não acontece da noite para o dia, é necessário tempo, investimento, estrutura, muito do que justamente não é visto no nosso país e que foi “contingenciado” nos últimos anos. Para que uma vacina seja aprovada, ela precisa passar por diversos estudos e experimentos, que a levem para posterior testagem em animais, e então aplicação em pequenos grupos de pessoas, onde caso não apresente efeitos controversos graves, se permite a continuidade dos estudos até que possa ser utilizada por todos.
Além disso, precisamos pensar em sua lógica de fabricação, armazenamento e distribuição ao redor do globo. A vacina para o Ebola, por exemplo, foi a vacina desenvolvida mais rapidamente nos últimos anos, levando pouco mais de cinco anos até estar disponível no mercado; levou dois anos para ser testada em humanos e mais três para chegar ao comércio. Percebe-se, então, que a produção de uma vacina para o momento o qual estamos, tendo em vista que há cada vez mais evidências sugerindo que esses surtos e epidemias podem se tornar mais frequentes à medida que o clima continua a mudar, não será nossa salvação, pelo menos não a curto prazo, mas com os incentivos certos, irá nos precaver dos próximos. Portanto, fique em casa!
Nosso grande Calcanhar de Aquiles para produção e estudos dessa vacina no Brasil, é a falta de investimento e confiabilidade no que as ciências fazem. Investimentos estes que vem sendo diminuído há anos, e que surpreendentemente no momento em que mais precisamos dos conhecimentos gerados pelas ciências, ainda sofremos com recentes cortes de bolsas de pesquisas. É contraditório e incoerente exigir uma resposta imediata das ciências para resolução de um problema, quando constantes e significativos cortes antecedem e acompanham a crise da pandemia. Mesmo com o descaso vivenciado pelos cientistas brasileiros, nos mantemos firmes, pois é necessário mostrar o que estamos conseguindo com tão pouco incentivo e trazer à tona as grandes conquistas as quais somos protagonistas. Quando o primeiro caso de Covid-19 na América Latina foi confirmado em São Paulo, cientistas do Instituto Adolf Lutz, da USP e da Universidade de Oxford, conseguiram sequenciar o genoma do vírus em apenas 48 horas, um feito marcante e que recebe o destaque merecido. Noutro caso, o Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), referência nacional em tratamento de doenças respiratórias, foi nomeado como Laboratório de Referência da Organização Mundial da Saúde para enfrentamento da Covid-19 nas Américas, responsável, agora, por realizar testes confirmatórios da doença na região, além de integrar a rede de especialistas em laboratório da entidade.
Se hoje nós precisamos de uma resposta clara com que deve ser feito para que tragédias anunciadas como essa diminuam seus efeitos ou não aconteçam mais, a resposta é investir na pesquisa, sendo este o único meio de mudanças positivas e que não traz prejuízos, tampouco quedas na bolsa de valores, mas sim aumento de igualdade, saúde e desenvolvimento sustentável, porque se hoje os brasileiros precisam de algo, é saber agir de forma sustentável com todos os bens e serviços disponíveis, sejam eles financeiros ou naturais. Parafraseando Atila Iamarino, se hoje estamos descobrindo o que são os serviços essenciais e estamos voltando a entender o valor de ciência, da mídia (profissional) e dos serviços de saúde, sistemas que são fundamentais desde sempre, mas que, em períodos de bonança, são fáceis de negligenciar, o que esta crise irá nos trazer de mais importante são lições a serem levadas ao futuro.
¹ Ambientalista apaixonada por pessoas e suas interações. Participa ativamente de projetos de mudança sociais, com olhar de curiosidade sob tudo que vê.
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