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Sobre pandemia, sensacionalismo, ecofascismo e... que dia é hoje mesmo?!

Por: Sheyla Pulido¹

 

Hoje completo um mês e 9.378 dias em isolamento social. Pensei em abordar outros assuntos que não COVID-19, afinal estamos acima do pico da curva no gráfico de saúde mental com o excesso de informações que as quais temos acesso a todo tempo. Facebook, Twitter, WhatsApp, principais veículos de jornalismo na mídia e conversas entre amigos. E é sobre isso que decidi falar.


Todo dia somos bombardeados e bombardeadas por informações que - e aqui falo correndo o risco de ser mal interpretada, afinal sou educadora - são inúteis ou possuem pouca relevância nossas vidas. Eu não preciso saber, todo dia, que no país X as pessoas estão morrendo nas ruas. Não preciso saber o número de mortes ou ver vídeos de pessoas agonizando sem ar. Eu não sou uma figura política, não sou da área da saúde ou da comunicação. E, tenho certeza, a maioria dos “telespectadores”, público-alvo dessas informações também não são. O que, de fato, essas informações têm a me acrescentar ou, mesmo que eu as explore sob a raciocínio de que nenhum conhecimento é perdido, será que é necessário que eu saiba de tudo e em todo o tempo? Para além da problemática das fake news, vejo que a descredibilização do jornalismo aliado ao uso ainda mais excessivo de redes sociais - principalmente do WhatsApp - nesse período de isolamento, tem nos feito alimentar um medo coletivo que, por consequência, nos torna cada vez mais insensíveis, ao invés de alertas e precavidos. No mundo de informações, nos habituamos e normalizamos o sofrimento.


Outro exemplo de consequência desse sensacionalismo e exploração do medo é o punitivismo que é enraizado em nossa cultura pela tradição judaico-cristã. Não são poucos os comentários que vejo sobre a natureza estar nos punindo. Seu mais recente castigo foi a erupção do vulcão Anak Krakatoa, na Indonésia, no dia 11 de abril. Foram inúmeras as postagens e vídeos com legendas que evidenciam a problemática que expus:

Compilação de imagens com reportagens sobre erupção do Vulcão Anak Krakatoa.

(Nota: Anak Krakatoa é “filho” do Krakatoa de 1883, citado em uma das imagens. A Indonésia é localizada em uma área conhecida como “Círculo de Fogo” e possui 127 vulcões ativos. Erupções são fenômenos naturais que ocorrem devido a movimentação das placas tectônicas e pressão para que ocorra a ascensão do material magmático).

Observa-se, que nos dias posteriores ao fenômeno, não se falava mais sobre essa grande catástrofe e anúncio de um apocalipse bíblico. Num mundo de excesso de informações a comoção e medo são temporários e dão lugar a insensibilidade, o “fim do mundo” já foi aceito e é o preço que a humanidade paga pelos erros e pecados cometidos.


O mais perigoso dessas consequências é a abertura para ao que chamamos de “Ecofascismo”, que consiste em não só aceitar essa punição, mas considerar que o declínio rápido da população humana é necessário para a sustentabilidade do planeta. Utilizam Darwinismo e seleção natural para justificar que mortes são necessárias, incentivando e sendo coniventes com genocídio.


Pouco ou nada se fala sobre o sistema econômico vigente, que é o principal responsável pelo agravamento ou até mesmo o causador dos impactos ambientais e sociais das últimas décadas, tampouco sobre qual população humana deverá ser sacrificada para compensar as exigências desse sistema e nossa relação exploratória e colonizadora com a natureza. Sobre esse último ponto, os dados sobre a mortalidade em pacientes diagnosticados com COVID-19 em diferentes bairros nos ajuda a responder a questão levantada: ainda que tenham mais casos registrados em bairros nobres, como Morumbi, as maiores mortalidades se concentram em bairros de periferia.


É importante, enfim, pensarmos nas responsabilidades que possuímos. O colapso do sistema de saúde público, a ausência de saneamento básico para todas as pessoas e a má distribuição de renda são consequências de escolhas políticas que não são recentes. Todos esses pontos, evidenciados e agravados pela pandemia, são sintomas de que algo não está certo e foi normalizado com o passar do tempo. Eu espero, sim, que esse seja o fim do mundo, mas desse mundo que conhecemos e se mostra doente. E ainda que o isolamento nos faça perder a noção dos dias, que possamos pensar e trabalhar para a construção de um novo amanhã.

Sugestões de leitura:

- O amanhã não está à venda. Ailton Krenak. Companhia das Letras, 2020.

- Colapso: Capitalismo Terminal, Transição Ecossocial, Ecofascismo. Carlos Taibo. Editora UFPR, 2019.


¹ Cientista Ambiental. Colaboradora de apoio técnico no Observatório de Educação e Sustentabilidade – UNIFESP. Professora de geografia no CIUNI - UNIFESP.

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