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Um antigo projeto da legalização do desmatamento da Amazônia

Atualizado: 24 de jun. de 2020

Por que devemos nos mobilizar contra a PL 2.633/2020, antiga MP 910, e a grilagem de terras?

Por: Sarah Arruda¹

Caieiras, 31 de maio de 2020

 

Não tem como começar esta coluna de outra forma:

"A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas [...]. Então, pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas [...]”
Trechos da fala do Sr. Ministro do Meio Ambiente em reunião interministerial em 22 de abril de 2020. 

As discussões sobre a MP 910 (Medida Provisória) estão gerando uma grande movimentação nas redes sociais, mas afinal de contas, o que é a grilagem de terras e o que a MP 910, agora PL 2.633 propõe? A grilagem de terras é conhecida como a falsificação de documentos como escrituras e títulos de terras, que hoje são declaradas como terras públicas, da união, estados, municípios ou até mesmo terras de terceiros. O termo grilagem se refere a uma antiga prática de falsificação de documentos, que eram colocados em uma gaveta com grilos, devido ação dos insetos o documento ficava com uma aparência mais envelhecida, dando cara de verdadeiro ao documento falso.


Embora a prática ainda exista na atualidade, os grileiros, além da falsificação dos documentos, realizam o registro da propriedade em órgãos governamentais, dando uma “validade” para a falsificação, sendo ainda mais difícil de identificar as fraudes. Além disso, com uma fiscalização deficitária e a falta de registro unificado para o cadastramento, inúmeras propriedades ilegais se consolidam, principalmente em áreas com interesse socioambiental.


É dentro dessa perspectiva que a PL 2.633 está fundamentada. Ela basicamente legaliza terras ocupadas de forma ilegal, inclusive áreas públicas na Amazônia Legal, que já vem sendo desmatadas. E agora, você deve estar se perguntando, como isso funciona na prática? Basicamente o cadastramento das propriedades será feito com base em uma autodeclaração, o “proprietário” irá informar a extensão de suas terras por meio da planta com a descrição de tudo que compõe a propriedade. Neste documento deve conter as coordenadas que definem a área ocupada, devendo ser assinado por um profissional habilitado. No entanto, não haverá vistorias preliminares da área declarada, apenas se esta já tiver sido alvo de infração ambiental. Dessa forma, a legalização das terras será baseada na palavra do declarante, sem qualquer laudo ou relatório técnico para confirmar a veracidade das informações.


Mas será que a medida vale para qualquer local? Sim!!! Para todas as terras que são consideradas públicas e classificadas como função indefinida, ou seja, ainda não foram designadas nem como parques nacionais nem como reservas extrativistas. E por que a Amazônia ganhou mais evidência nas redes sociais? Embora eu tenha mencionado que qualquer terra pública pode ser legalizada, a maioria das terras sem a dita “função”, se encontra na Amazônia Legal. Nesta área estão concentrados 57 milhões de hectares de terras públicas e a medida permite que áreas desmatadas até 1.000 hectares sejam dadas a quem as desmatou. Uma arbitrariedade, sem dúvida alguma!


Já é ruim até aqui, certo? Mas além de todos os pontos que mencionei anteriormente, destaco abaixo os maiores problemas dessa PL que gerará o caos, se aprovada.


1 – A proposta foi idealizada pela bancada ruralista, que possui um histórico de elaborar medidas que visam à absolvição de desmatadores. Em nenhum momento foi realizado um estudo técnico para embasar a proposta, não existindo qualquer justificativa técnica ou jurídica;


2 – Uma das principais justificativas para a aprovação da MP é de que ela favorece pequenos agricultores. Pois, será realizada a sua regularização fundiária, que consiste em medidas jurídicas, ambientais e sociais que fornecem subsídios para que a propriedade seja reconhecida legalmente. No entanto, o limite de declaração de terras é de 1.000 hectares, que é considerado pelo INCRA como uma média propriedade. Assim, se o objetivo fosse auxiliar os pequenos produtores, a área máxima passível de declaração seria menor do que a proposta. Aqui vale destacar que o limite na MP 910 era de 2.500 hectares, na PL 2.633 o limite foi reduzido para 1.000 hectares;


3 – De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a grilagem de terras é a principal responsável pelo desmatamento na Amazônia, entre 2018 e 2019, cerca de 3.416 quilômetros quadrados foram desmatados. Ou seja, a legalização de terras ocupadas de forma irregular é uma carta branca para o desmatamento e para destruição da biodiversidade. Uma vez que quem desmata pode adquirir a propriedade legalmente por meio de medidas como esta.


4 – Os povos indígenas possuem uma forte relação com a natureza, terras demarcadas são de extrema importância para a preservação da biodiversidade, uma vez que nestes locais a floresta é mantida em pé e é protegida por seus ocupantes. No entanto, as terras que ainda não iniciaram o processo de demarcação, ou não tiveram demandas registradas na Ouvidoria Agrária Nacional, podem ser declaradas pelos grileiros. O que mais uma vez incentiva tensões no campo e contribuem para o aumento no número de mortes durante esses conflitos.


5 - A discussão da proposta não incluiu a participação popular, e de acordo com o andamento do processo, não irá incluir. Logo, a votação de uma proposta tão importante sem a participação dos principais interessados é absurda.


Por fim, embora não possam ser feitas manifestações presenciais, devido ao distanciamento social causado pela COVID-19, existem maneiras de combater diretamente a aprovação da MP 910/PL 2.633. O ativismo de “internet”, ou ativismo do sofá, tem se mostrado altamente combativo, foram criados diversos abaixo assinados para impedir a aprovação da proposta. Em um primeiro momento a MP 910 que não foi discutida até a data prevista, acabou sendo retirada definitivamente da pauta. No entanto, foi transformada na PL 2.633, por isso devemos continuar nos mobilizando, compartilhando as informações sobre o tema e assinando os abaixo assinados, deixo os links no final da matéria. E por último e não menos importante, pressionem os deputados e senadores para votarem contra esse projeto de lei. Mensagens em seus perfis nas redes sociais, e-mails, demonstram que a população está combativa e ciente do que está acontecendo, gerando pressão pela negativa na votação da PL.

A preservação do meio ambiente depende de todos nós!

Petição do @WWF_Brasil à Assine! https://www.saldaodaamazonia.org.br/


Sugestões de leitura:



Ricardo Abramovay. Amazônia por uma economia do conhecimento da natureza. Editora Elefante.


The Intercept Brazil: Amazônia, terra sem lei.



¹ Bióloga – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Análise Ambiental Integrada - UNIFESP. Bolsista de apoio técnico no Observatório de Educação e Sustentabilidade – UNIFESP. Download desta matéria.

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