Um problema social intensificado pela máscara da quarentena
Por: Erika dos Santos Brunelli¹
Suzano, 14 de junho de 2020
Você deve ser mais uma pessoa que, assim como eu, não vê a hora de poder abraçar quem ama, interagir pessoalmente com os avós, fazer coisas simples, como ir ao mercado sem sentir medo de estar se expondo demais, correndo o risco de ser infectada. A pandemia, causada pelo novo coronavírus, tem trazido muitas mudanças, sendo o distanciamento social a principal delas. Durante esse período, as pessoas encaram esse fato de diferentes maneiras, cada uma com suas particularidades, mas também existem sentimentos em comum à maioria das pessoas, como a ansiedade, por exemplo, uma grande vilã. Embora todos estejam passando pela mesma pandemia, uma mesma realidade, temos diferentes condições, cenários e problemas frente à conjuntura atual - para alguns grupos sociais, como as mulheres, esses problemas têm sido ainda mais intensificados.
Acordar, preparar o café, lavar a louça e a roupa, limpar a casa, fazer o almoço, ajudar as crianças com as tarefas, preparar o jantar... Tudo isso somado ao home office. O período da pandemia tem sido muito difícil para muitas mulheres, pelo fato de estarem (ainda mais) sobrecarregadas com as tarefas domésticas, seja por ter que cuidar do filho que não está frequentando a escola/creche, por ter mais pessoas dentro de casa, por estarem trabalhando por mais tempo pelo fato de “estarem em casa”, ou simplesmente por não terem o apoio de seus companheiros nessas atividades, deixando em evidência a desigualdade entre homens e mulheres, acentuando o estresse e os conflitos familiares. Além de escancarar a desigualdade de gênero, o isolamento imposto pela pandemia do coronavírus também acentuou os casos de violência doméstica.
Cabe por em destaque uma concepção de Ribeiro (2013, p.36) que diz:
O termo gênero, por outro lado, aborda as diferenças socioculturais existentes entre os sexos masculino e feminino. A violência de gênero pode ser entendida como “violência contra a mulher”, expressão trazida à tona pelo movimento feminista nos anos 70, por ser a mulher o alvo principal da violência de gênero.
Vivemos em uma sociedade historicamente machista e patriarcal, a qual coloca a mulher sempre como a culpada pela agressão ou pelo fim do relacionamento, fazendo com que esse assunto ainda seja um tabu para muitas, desestimulando-as a denunciar o agressor, por medo, vergonha, impotência ou ignorância sobre o assunto. E, infelizmente, para essas mulheres, a quarentena se caracteriza como um maior e mais intenso convívio com esse tipo de sofrimento, pois muitas vezes as denúncias só ocorrem por interferência de terceiros, por exemplo, amigas de trabalho que notam hematomas e se dispõem a ajudar e estimulam a vítima à denúncia. E com o isolamento, essas evidências têm sido mais difíceis de serem notadas.
O distanciamento social representa um grande obstáculo para acessar ordens de proteção e outras atividades essenciais que salvam vidas, justamente por conta de restrições ao movimento durante a quarentena. É importante ressaltar que a violência atinge mulheres de todas as classes sociais, raças e faixas etárias. Este triste fato tem sensibilizado diversos setores, que estão abraçando a causa e tentando auxiliar as mulheres de alguma forma. A rede varejista “Magazine Luiza”, por exemplo, renovou sua campanha (já existente) contra a violência doméstica, disponibilizando em seu aplicativo um botão de pânico, disfarçado de produtos de maquiagem, o qual aciona o 180, disque-denúncia, que ampara mulheres em situação de violência. No mês de maio (em plena pandemia), as denúncias aumentaram 400% pelo aplicativo da “Magazine”. Quatrocentos por cento! E infelizmente esse número aumentou em muitos outros países também.
Além disso, muitas vítimas sequer sabem que estão dentro de uma relação de violência que, além de física, também pode ser moral, psicológica, patrimonial, sexual… Agressões psicológicas podem seguir para agressões físicas e levar até ao feminicídio. Por conta disso, a informação e o empoderamento feminino têm sido essenciais para que cada vez mais os valores éticos das mulheres sejam (re)construídos e disseminados. E o feminismo tem sido um importante veículo de educação, enquanto movimento político e social, proporcionando debates e lutando pela libertação de padrões patriarcais, o que está diretamente relacionado com a violência que as mulheres sofrem ainda hoje. Sobretudo neste período de pandemia, que é tempo de união e empatia, onde estamos precisando nos reinventar em diversos quesitos.
Não tem sido diferente nas campanhas de proteção à mulher, onde são criadas e divulgadas diversas correntes condizentes a atual realidade, por conta do coronavírus. O Instituto Maria da Penha, por exemplo, produziu um vídeo que simula um caso de violência doméstica no período da quarentena, a qual foi identificada por meio de uma chamada de vídeo, tendo como objetivo estimular a denúncia. Outras diversas correntes também estão em circulação, onde mulheres fazem símbolos com as mãos, indicando que estão sofrendo violência, já que as denúncias estão sendo dificultadas, pelas vítimas estarem sob constante vigilância de seus agressores. Com isso, fica evidente a importância de se divulgar esse tipo de informação, conversar sobre o assunto e jamais se calar perante uma situação de agressão - física ou de qualquer outro tipo.
Para ler e assistir:
- Cartilha elaborada pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) – COVID 19: confinamento sem violência
- Vídeo elaborado pelo Instituto Maria da Penha – Campanha Call
- E-book publicado pela Editora Inovar – Mas ele nunca me bateu. Com histórias reais de mulheres que enviaram seus relatos voluntariamente para a página do Instagram @maselenuncamebateu como uma forma de desabafo porque sabem que ali não haverá julgamento, haverá acolhimento
- Folheto da ONU - O direito das mulheres em meio à crise
- Matéria da Universa – UOL - Mostrando os sinais contra violência doméstica durante a quarentena
- Série GNT – O futuro é feminino
¹ Bióloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Química - UNIFESP. Coordenadora técnica do Observatório de Educação e Sustentabilidade – UNIFESP.
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