Pensar a gestão de resíduos de difícil reciclabilidade
Por: Thiago Araújo¹ e Letícia Viesba²
São Paulo, 19 de julho de 2020
Quando pensamos em lixo, um amplo leque de resíduos vem em nossa mente. Por definição, resíduo é tudo aquilo que consideramos que não pode ser mais aproveitado nas atividades humanas, provindo das indústrias, comércios, residências, entre outros. Mas será que não podemos mesmo aproveitar? Aqui vale diferenciar resíduo de rejeito, o rejeito, sim, não pode mais ser aproveitado. Na tentativa de promover e colaborar com a reciclagem, é comum pensarmos primeiro em papel, vidro, plástico, metal e orgânicos, e que o processo de pensar sobre o lixo consiste apenas na separação nas lixeiras correspondentes, quando, na verdade, a reciclagem é um processo bem mais complexo e que varia de acordo com a viabilidade estrutural e financeira para cada tipo de produto gerado.
Resíduo inclui desde um copo plástico, uma esponja doméstica, até o resto de concreto de uma construção, todos possuem seu impacto ambiental, em maior ou menor grau. Então é importante ter em mente que os processos de reciclagem desses resíduos são extremamente diferentes, bem como o seu custo e os agentes necessários para que o processo ocorra.
Resíduos de difícil reciclabilidade e onde habitam
Considerando um dia comum na rotina, onde você toma o café da manhã, frita algo para comer, lava a louça, escova os dentes e vai trabalhar. Apenas neste pequeno trecho do seu dia, uma grande parte dos itens que utilizou pode ser considerada de difícil reciclabilidade, como o óleo, a esponja de lavar louças, a escova de dente, a embalagem de pasta de dente, os instrumentos de escrita, como a caneta, lápis entre outros que venha a utilizar no trabalho. São ferramentas de uso diário, e que em seu processo de fabricação são incorporados determinados materiais que dificultam e encarecem o processo de reciclagem, inviabilizando a coleta e distribuição pelas cooperativas de reciclagem. Assim, produtos que tem potencial para serem reciclados, acabam indo para o descarte comum.
Temos em nosso país a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que completa este ano 10 anos desde sua sanção. A PNRS prevê a prevenção e a redução na geração de resíduos, suas propostas cercam a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de instrumentos para propiciar a gestão de resíduos sólidos. Nesse contexto, temos a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que consiste em dividir a obrigação de cuidar do processo dos resíduos com todos os envolvidos, ou seja, fabricantes, distribuidores, gestão pública e o consumidor final.
A PNRS vai ao encontro da política dos 5 R’s, que usualmente é conhecida como uma importante ferramenta da Educação Ambiental e consiste nas práticas: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e, por último, Reciclar, essas são atitudes que devemos desenvolver para conviver em equilíbrio com o ambiente, no aspecto de consumo e resíduos. Essa ferramenta possui a intenção de mudar hábitos enraizados para possibilitar que nossa geração, dos nossos filhos, e as dos filhos deles, possam continuar convivendo com a natureza, e utilizando seus bens e serviços de forma equilibrada, respeitando seus limites. Ao se recusar utilizar e consumir produtos de vida limitada, como produtos com novas embalagens e dar preferência a produtos de vida mais prolongada, como refil, já estamos repensando nossa relação com os resíduos, bem como também praticando a reutilização. Quando se pratica essas 5 atitudes, é importante não simplificar o problema, desenvolvendo principalmente a questão da reciclagem e da coleta seletiva, pois essa deve ser a última etapa de todo um ciclo.
Quando a educação ambiental se torna uma aliada na gestão de resíduos sólidos
A universidade possui o dever social de desenvolver o ensino, a pesquisa e extensão, essa última, cria uma conexão entre o que se estuda e sua aplicação na sociedade, tendo o papel social de mudar as perspectivas e possibilitar a criação de um mundo mais democrático. A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Campus Diadema possui em sua história uma perspectiva ambiental, promovendo a implementação de ações extensionistas como o “Programa Escolas Sustentáveis - PES”, que possui a intenção de desenvolver ações, dentro e fora da universidade, que promovam discussões socioambientais. O PES aborda uma série de projetos com os mais variados temas, sendo a problemática dos resíduos sólidos, um dos principais.
O projeto “Eu Reciclo”, que está dentro do PES, nasceu em 2018, com o objetivo de demostrar que os resíduos de difícil reciclabilidade não são nenhum bicho de sete cabeças e devem, como os demais resíduos, ser alvo de ações em educação ambiental, já que também estão presentes em nosso cotidiano e são, costumeiramente, dispensados na reciclagem tradicional. Deste modo, por meio de parceria com a empresa TerraCycle, foi possível desenvolver o projeto, de modo a realizar ações de informação, sensibilização e coleta de alguns desses resíduos, a parceria permite dar uma destinação adequada e viável para resíduos coletados. Entre os resíduos objetos das campanhas do Eu Reciclo, destacamos: instrumentos de escrita, esponjas domésticas, tubos e embalagens de creme dental e escovas de dente. Tais resíduos, depois de coletados, são encaminhados para a empresa que destina a outras parcerias que reutilizam os materiais, reinserindo-os em suas cadeias produtivas.
A primeira ação no projeto foi a promoção da sensibilização e reflexão da comunidade acadêmica, na intenção de promover mudanças na perspectiva e de práticas ligadas ao consumo excessivo. Esta ação se caracterizou como “Trilha do Lixo”, e se consistiu no desenvolvimento de painéis que foram expostos em locais de grande visibilidade no campus, os painéis formavam uma trilha, daí o nome, e apresentavam informações a respeito da problemática dos resíduos, trechos da PNRS e algumas provocações.
Em um segundo momento, inserimos em todas as unidades do campus alguns coletores, identificados e acompanhados de cartazes informativos sobre os tipos de produtos coletados. Também foram feitas campanhas on-line sobre os tipos de resíduos, composição, descarte e destinação corretas. Ao longo de 2 anos de projeto foram destinados 760 produtos para a Terracycle e o projeto continua ativo, a previsão para 2020 era seguir com sua implementação também em escolas públicas estaduais do município de Diadema, planos atrapalhados pela pandemia. Contudo, nossa equipe segue adaptando a proposta, e, em breve, lançamos um material instrucional em um minicurso, voltado à comunidade escolar. De forma que contribua na informação e capacitação dos membros das comunidades para a implementação do projeto.
Como educadores ambientais, reconhecemos a importância de disseminar a informação de que o ciclo de vida dos produtos não termina quando, após serem utilizados pelos consumidores, são descartados nas lixeiras. Nossa responsabilidade vai além, e mesmo quando o sistema não está preparado para aderir às necessidades, ainda assim, contando com colaborações, podemos alcançar o melhor resultado na perspectiva socioambiental. Resíduos recicláveis convencionais ou estes, de difícil reciclabilidade, têm importante papel e potencial econômico. Seu uso adequado pode ser um diferencial significativo em escolas, universidades e famílias de cooperativados.
Como afirmado pelo filósofo e pedagogo Dermeval Saviani:
"a educação é a mediação no seio da prática social. A prática social põe-se, portanto, como ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa”
Ou seja, a instrução, a informação e o conhecimento, uma vez incorporados pela sociedade, serão repassados como ensinamentos, mudando perspectivas e hábitos, e esse é o objetivo de um Educador Ambiental.
¹ Discente de Ciências Biológicas – UNIFESP. Bolsista de apoio à pesquisa e desenvolvimento do Observatório de Educação e Sustentabilidade da UNIFESP. Participa como tutor no Programa de Extensão Universitária "Escolas Sustentáveis". E-mail: thiago.henrique18@unifesp.br
² Mestra em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de São Paulo. Professora, Bacharela em Ciências Ambientais, licenciada em Matemática e educadora ambiental em todos os aspectos que consigo.
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