O que o longa-metragem nos contou há mais de uma década?
Por: Arnaldo Antonio da Silva Junior¹
Mauá, 21 de junho de 2020
Com o panorama de isolamento social, se me fosse proposto indicar, em uma ordem de prioridade, quais serviços voltarão às suas atividades rotineiras, diria que a produção de entretenimento não seria tratada como uma demanda de retorno urgente. Contudo, temos observado alguns países e regiões lidando com a disseminação das infecções de tal maneira competente, que já executam planos de inclusão da indústria cinematográfica na volta às atividades, como é o caso da Nova Zelândia. Neste mês de junho, os neozelandeses autorizaram a retomada das filmagens das sequências de Avatar no país, mediante o cumprimento dos procedimentos de segurança. Dadas nossas necessárias reflexões sobre o mundo em mudança que estamos presenciando, o foco sustentável ao qual a coluna se dedica e a notícia de continuação das produções subsequentes de Avatar, tenho um pretexto apropriado para falar das relações indivíduo-ambiente na obra.
Avatar, filme de 2009, foi escrito e dirigido por James Cameron. Não pretendo aqui, me ater a detalhes de roteiro, mas, sim, direcionar minha atenção às possíveis inspirações sustentáveis que podemos extrair da obra. Um dos pontos fundamentais para entendermos as relações dos Na’vi (nativos do mundo fictício do filme) com o ambiente, já se revela em sua saudação: “eu vejo você”. A primeira leitura da frase pode produzir sentidos inseridos no campo da obviedade, entretanto, se investigarmos por uma vereda mais profunda, identificamos outros significados envolvidos no âmago do cumprimento. “Eu vejo você”, para os Na’vi, está além do sentido da visão, designa respeito, enxergar o outro, o interior do outro. Outro elemento notável é a ligação dos Na’vi com a biodiversidade, que ocorre por meio do que se denomina tsahaylu. Esta ligação concede aos indivíduos a capacidade de sentirem o que o outro sente, sentirem a dor do outro. Tanto o “eu vejo você”, quanto o tsahaylu, podem representar a empatia naquela sociedade. Essa empatia, no mundo ficcional de Cameron, é sentimento que está intimamente conectado às relações mais cotidianas dos personagens, desde a saudação até o compartilhamento do ambiente com as outras formas de vida.
Segundo Gadotti (2008), sustentabilidade é o equilíbrio dinâmico com o outro e com o meio ambiente, é harmonia entre os diferentes. O autor reflete sobre uma concepção sustentável que nos ajude a viver melhor na Terra, de forma justa, saudável, equilibrada e produtiva, em benefício de todas as pessoas. Essas definições de sustentabilidade aderem ao que observamos no filme, como a valorização da biodiversidade, do espaço, da cultura, do coletivo, das memórias do povo, do uso responsável dos bens e serviços. Porém, talvez o mais instigante de se acompanhar seja a trajetória de ressignificação de princípios e valores do protagonista, que somente é possível quando se permite conhecer o novo. Outro ensinamento da sabedoria Na’vi se refere ao quanto os indivíduos estão abertos a aprender: “é difícil encher um copo que já está cheio”. A frase nos comunica a respeito da necessidade de estarmos receptivos ao que não conhecemos, de modo que possamos estar em condição de constante aprendizado e, dessa forma, evoluirmos enquanto seres humanos e sociedade.
Para que seja possível construir uma sociedade global auspiciosa no que se refere à sustentabilidade, devemos aprender uns com os outros, olhar para os exemplos promissores do mundo real (que existem) e nesse sentido, também retirarmos da arte, do cinema, da ficção, aprendizados que possam ser construtivos. Avatar, como sendo um produto de entretenimento, contém conflitos e antagonismos, que no caso da trama, estão centralizados em uma lógica predatória e destrutiva na exploração dos bens e serviços. Destrutiva, inclusive de vidas, o que é demasiado pernicioso, pois acredito que quando se banaliza a morte, banaliza-se também a vida. Se pensarmos na sustentabilidade, o longa-metragem contempla bons e maus exemplos e assim, nos brinda com ensinamentos valiosos, seja para nos inspirarmos no que é positivo ou nos distanciarmos do que seja negativo.
Confesso que, quando assisti Avatar pela primeira vez, na época de sua estreia nos cinemas em 2009, pensei sobre como estávamos distantes de viver em um mundo aprazível como o dos Na’vi. O planejamento da produção das sequências prevê o lançamento de mais quatro filmes durante os próximos anos, sendo que o último “longa” deve ser lançado em 2027. Posso estar sendo ingênuo, mas faculto a mim, o direito a essa ingenuidade. Tenho esperanças de que, pelo menos em 2027, quando assistir o fechamento da história de Cameron, eu possa estar vivendo em um mundo no qual minhas reflexões sobre o final de Avatar, me levem a pensar que estamos caminhando, ainda que timidamente, pela estrada da sustentabilidade e que o mundo está mais alegrador nesse sentido, do que esteve para mim em 2009. São tempos para revisitarmos Avatar e quem sabe, floresçam ideias para algumas lanternas que nos sejam oportunas nessa estrada. Sigamos em frente.
Sugestão de leitura e de obra cinematográfica:
GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década da educação para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. 127 p.
CAMERON, James (dir.). Avatar. Produção: CAMERON, James; LANDAU, Jon. 20th Century Fox, 2009. (161 min.).
Sobre a retomada das filmagens das sequências de Avatar:
¹ Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Diadema-SP. Graduado em Química, professor da Rede Pública do Estado de São Paulo e colaborador do Observatório de Educação e Sustentabilidade da UNIFESP. E-mail: arnald.jr@hotmail.com
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