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Educamos os Jovens e Adultos?

Por: Fernando Ferreira Pires¹

Diadema, 13 de setembro de 2020

 

A história da educação de jovens e adultos em nosso país se confunde com a nossa própria história da educação. Desde os jesuítas, as diversas faixas etárias eram foco da educação. Primeiramente com a catequização dos indígenas e, posteriormente, também com os filhos e herdeiros das fazendas. Aqueles que tinham certos privilégios sociais viam na educação um modo de manter seus postos e status e a estes era proporcionado um modo de educação que contemplasse suas necessidades.


Após nosso processo de redemocratização do país, esta modalidade de ensino foi institucionalizada por nossa Constituição Federal de 1988 e posteriormente por nossa Lei de Diretrizes e Base (LDB), nº 9394/1996, especificamente com a Lei 13415/2017 que a alterou incluindo o § 2º ao artigo 24 com a redação dizendo que “os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular, adequado às condições do educando”. Porém, um questionamento se faz extremamente necessário: há hoje, no período de aulas remotas, uma educação que promova um aprendizado significativo e de qualidade capacitando nossos jovens e adultos a seguirem seus estudos?


A Educação de Jovens e Adultos (EJA), como já dito, é destinada a todos aqueles que não puderam – ou não tiveram acesso – à educação na idade regular. Geralmente em cursos semestrais, visam retomar e aprofundar os conhecimentos específicos de cada ano/série. Aqui não entraremos nas questões pedagógicas e didático-metodológicas que diferenciam esta modalidade de ensino daquela ofertada na regular, mas vale a pena ressaltar que o jovem e adulto que busca esta modalidade não chega “vazio” de conhecimento, pois traz em sua bagagem a experiência de sua vivência no mundo do trabalho que, por vezes, requer certas habilidades que vão sendo desenvolvidas antes deste ingresso na EJA.


Pensando em nossa realidade local, na rede pública do estado de São Paulo, há a oferta para os segmentos fundamental II (6º ao 9º ano) e ensino médio. Cada interessado, tendo as idades que permitem tal ingresso, procura uma escola próxima à sua residência ou trabalho e manifesta seu interesse de matrícula. A partir de então participa de todos os predicativos de um aluno da rede pública estadual. Parece interessante, não é?! Mas nem tudo é como se parece! As políticas públicas da educação pouco atingem esta modalidade: não há programa de livro didático específico a eles (ou em quantidade enviada à escola que possa ser aproveitada para estes alunos), materiais suplementares como “Caderno do Aluno” e “Aprender Sempre” também não são elaborados para esta modalidade; avaliações de aprendizagem processual que acontecem nas séries regulares sequer são cogitadas para a EJA. Quebrando alguns paradigmas, curiosamente neste ano letivo, o “kit escolar” com materiais básicos para se cursar as aulas foi pensado nas especificidades destes alunos e distribuídos pela primeira vez, causando até estranheza entre os agentes escolares – gestores, professores e alunos. Apenas o programa de merenda escolar alcança estes alunos, permitindo-lhes uma alimentação mínima para que possa fazer seus estudos após um dia de trabalho, pois muitos vão diretamente à escola, sem sequer passar por suas casas.


Aliado a isso, muitos dos alunos da EJA estão há muitos anos longe de uma escola e, embora possam comprovar o cumprimento de uma determinada série para ser matriculado, nem sempre há um nivelamento do aprendizado anterior para que o professor possa iniciar o trabalho pedagógico. Este nivelamento deverá ser feito concomitante à sequência das aulas, e tudo isso em apenas um semestre letivo. Some-se a isso as alunas mães que se preocupam em deixar seus filhos em casa sob a responsabilidade de alguém e que, ao primeiro toque de mensagem em seu celular, deixam a escola para ir para casa, por exemplo. Já vimos que não é fácil ser um aluno da EJA! Porém também podemos apostar em bons professores que suprirão estas lacunas engajando os alunos neste processo de aprendizagem, mesmo sem os amparos destes suportes mencionados. Será que é possível?! Talvez sim, e poderia trazer inúmeros exemplos de sucesso.


Em geral, tudo caminhava já com certa precariedade e daí veio a pandemia do novo coronavírus, provocando a suspensão das aulas presenciais. A iniciativa da Secretaria da Educação do estado de São Paulo (SEDUC) foi de criar uma plataforma de aulas online com patrocínio de dados de internet para o acesso de todos os alunos, e com a orientação de que cada escola pensasse em formas de propor atividades para que os alunos mantivessem contato com a escola. Era como se tudo fosse seguir normalmente: professores e alunos assistem as aulas, em seguida os professores propõem atividades, os alunos realizam e devolvem. Tudo isso mediado por tecnologia. Aquilo que já era difícil agora tomava elementos ainda mais dificultadores. Muitos imaginam que estamos na “era da tecnologia” e que todos tem facilidade e domínio, ledo engano!


As aulas online começaram, as atividades propostas pelos professores também. E o aluno da EJA? A eles cabia a função de assistir as aulas e realizar as atividades, simples, não fosse a tecnologia que se postulou como uma barreira na formação deles. Pouco a pouco aquilo que se previa começou a ficar evidente: os alunos da EJA, em sua maioria, não conseguiam acompanhar este novo modelo. Anos longe de uma sala de aula, e de repente esta sala de aula “apareceu” na tela do seu celular. E a consequência logo vista é que as atividades não eram devolvidas aos professores.


Entra em cena uma ação já bem comum na educação chamada de “busca ativa”. Este processo consiste em utilizar todos os meios para se contactar alunos que estando faltando às aulas: ligação telefônica, consulta aos colegas de turma, visita à residência, etc. Tudo é tentado com o objetivo de trazer o aluno novamente à escola, mas com as aulas remotas, e os agentes da busca ativa todos em suas casas isso elevou o nível de dificuldade. E somente isso não bastava! Era necessário que, ao ser encontrado, o aluno tivesse os meios materiais para o acesso às plataformas digitais. As primeiras sentenças foram dadas. Apesar do esforço de professores, equipe gestora e apoio dos colegas, diversos alunos manifestaram o desejo de abandonar o processo educativo, e muitas das justificativas eram a falta de domínio tecnológico que os impediam de participar ativamente.


A derrocada final veio no mês de julho quando a SEDUC instruiu por meio de comunicado conjunto da Coordenadoria de Informação, Evidência, Tecnologia e Matrícula com a Coordenadoria Pedagógica que após serem adotadas todas as medidas de busca ativa e caso o aluno “não tenha apresentado nenhuma atividade, ou não tenha sido localizado, deverá ser considerado retido por frequência insuficiente, devendo ter sua vaga garantida no mesmo termo no 2º semestre, tendo assim a oportunidade de cursar novamente o termo”. Nas entrelinhas vemos que a aprovação do aluno está atrelada à entrega de atividade, e não a algum aprendizado. Cabe o “cumprimento de tarefas” em detrimento de um aprendizado consistente que potencialize o aluno. Este processo corrobora para enfraquecer a modalidade relegando-a a uma “categoria menor”.


Este enredo desemboca numa resposta a nossa provocação inicial: há hoje, no período de aulas remotas, uma educação que promova um aprendizado significativo e de qualidade capacitando nossos jovens e adultos a seguirem seus estudos? Infelizmente, como brevemente demonstrado, temos de assumir a presença, contraditória, de uma pedra chamada tecnologia, como impasse para o aprendizado nestas aulas remotas. Talvez o que precisamos, e com urgência, é repensar as estratégias para a EJA se o que queremos é uma modalidade que possibilite ao aluno egresso galgar passos maiores, incluindo ir ao ensino superior, como é o desejo de muitos deles.


Sugestões de leitura:


CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação. v. 13. n. 37. jan./abr. 2008.


ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1986.


¹ Professor da rede pública estadual, atuando como vice diretor da EE Prof. Riolando Canno em Diadema-SP. Bacharel e Licenciado em Filosofia, Licenciado em Pedagogia, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UNIFESP, Campus Diadema.

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