Dificuldades de ensino e aprendizagem durante a pandemia de coronavírus
Por: Cássio Alberto do Nascimento¹
São Paulo, 25 de maio de 2020
Minha relação com a sala de aula foi alterada devido a uma crise sanitária, assim como as de centenas de milhares de outros estudantes universitários e tantos outros da educação básica. O Coronavírus é um agente patogênico que se propaga rapidamente, infectando pessoas, ocasionando mudanças nas relações e impedindo que estudantes e professores utilizem a sala de aula como de costume — há diversos outros espaços presenciais que se constituem como locais de aprendizado. Contudo, temos de permanecer atuando dentro de nossas responsabilidades para com o outro. Como professor, observei a necessidade de escrever sobre este tema, e agradeço ao convite dos editores por me permitirem expor meu olhar sobre a crise.
Estudante na Universidade Federal de São Paulo recebi, há pouco mais de dois meses, notícia sobre o confinamento decretado pelo governador de São Paulo. Neste contexto, segue meu olhar:
1º Imaginei uma pandemia que duraria algumas semanas e pensei que tão logo prosseguiria com minhas atividades de ensino e aprendizagem. No decorrer das semanas, houve a possibilidade de vídeo-aulas serem uma consequência natural de ocupação desses novos espaços criados pela pandemia. Ação que desconsidera as condições de acessos de estudantes egressos de escolas públicas, como eu, que sou privado de poder me dedicar integralmente aos estudos, além de ser discriminado racialmente.
2º Como experiência pessoal, decidi assistir a alguns vídeos de Geografia, num canal chamado Gabaritageo, voltado para concursos públicos, vestibulares e, principalmente, para o Exame Nacional do Ensino Médio. Sou apenas um curioso da área, mas assisti ao professor Jean e me questionei sobre a possibilidade de fazer vídeos de Matemática — minha área de estudo — para estudantes que queiram vivenciar a trajetória universitária, semelhante às escolhas que fiz. O canal foi muito bem elaborado, principalmente no que lhe concerne os assuntos geográficos, como o tema desenvolvido em vídeo sobre formação de chuvas na Amazônia, que assisti algumas vezes, e acrescentei minhas dúvidas no aplicativo de busca, procurando respostas. Caro leitor, cara leitora, repare neste comentário em específico. Tal dificuldade encontrada se deu pela impossibilidade de fazer perguntas diretamente ao professor ou ainda de poder compartilhar com colegas. Características facilmente notadas no ensino remoto. O tema dessa aula foi bem apresentado, com vídeos da Amazônia, diversos dados, facilmente servindo para complementar uma aula presencial sobre o assunto. Complementar, não substituir. Pensei acerca dos desafios de estudantes, como eu, privados de recursos materiais e, possivelmente, futuros beneficiários das políticas públicas de reservas de vagas, acessarem conteúdos de matemática e como isto poderia contribuir em suas formações.
3º Quando estava no momento de prestar vestibular, a educação, para mim, era uma nova descoberta. Relacionei aprendizados com experiências de vida, alguns professores de cursos populares facilitaram o processo, o qual me dediquei. Não tive possibilidade de me preparar com estas novas técnicas e tecnologias, procurei bibliotecas e cursos presenciais, agora, como professor, além dos problemas de fazer um convite satisfatório para os estudantes, minha intenção de ensinar me fez questionar algo: como humanizar uma aula mediatizada por softwares e equipamentos físicos?
Este sistema de objetos tecnológicos que está ao nosso redor, colabora para formar conjuntos de ações que se relacionam. Um computador, por exemplo, precisa de outros objetos, tomadas com eletricidade corrente, roteadores de ‘internet’ e mesa. Consequentemente, o estudante, obrigado, torna-se consumidor: comprando um dispositivo “pessoal”, consumindo energia elétrica e acesso à rede. O trabalho empregado nestes objetos técnicos carregam possibilidades, aliás, sua contradição. Os objetos ficaram mais flexíveis, podendo seguir comandos simples, abertos, deste modo, à criatividade — lembrando que os maleáveis softwares são mais valorizados do que os endurecidos equipamentos físicos, justamente, por permitir imaginação e originalidade. Já com as ações, há possibilidades de uma realização concreta que modifica as relações no cotidiano, produzir em alguns estudantes, que acessem conteúdos didáticos na rede, o sentido particular para desenvolver suas habilidades. Antes destas novas tecnologias de comunicação, estes objetos técnicos eram mais duros à criatividade.
Aquele estudante, em seu cotidiano, que precisou de transporte para conhecer outros, hoje, pode ter facilidade com as redes de comunicação: é uma gama de experiência de mundo, sem sair de casa. Se, por um lado, propicia o encurtamento das distâncias e do conhecimento, por outro, exige que as pessoas tenham ações pré-determinadas. Os objetos e as ações estão conduzindo atividades, estas e aquelas reproduzidas sem intenção consciente ou propósito. Mais evidente, no ato de educar, aprendi, com vídeo-aula, que educação significa, apenas, aplicar algo em alguma coisa. Desta mesma forma, os estudantes não aprendem o sentido moral e os significados políticos de se educar — ser social. Estudantes que não se veem, nem se percebem, tampouco concebem uma possibilidade ética à atividade capitalista que, entre outras coisas, exerce uma produtividade imoral. Daí Educar é um processo social...
E vídeo-aula, educa?
4º Para finalizar, entendo a sala de aula como um território onde existem sistemas de objetos maleáveis por interação social. Esta estimula a ação de concentrar no professor a gestão da sala de aula, de forma que possa conduzir o aprendizado. Ainda que novas disposições, por exemplo, círculos de cultura, estimulem o diálogo, os estudantes desprovidos de capital econômico-financeiro, ainda não conseguem manter suas atividades escolares, são excluídos por costumes, significados e burocracias. Este modelo de escola com significados sociais demarcados discrimina estudantes pela renda ou cor de pele. Neste caso, veja bem, mesmo com suas contradições, a escola segue como território rico em interações, locus privilegiado de formação, para produzir possibilidades de ensino e aprendizagem, além de ser menos excludente — há muitos brasileiros, como eu, que se identificam como negros e têm minguado ingresso na rede mundial de computadores, infelizmente, são excluídos. Assim, mais abrangente que as condições apresentadas por boas vídeo-aulas, a escola presencial humaniza o ensino e aprendizagem.
¹ Estudante do curso de Ciências da Unifesp e professor voluntário em curso popular destinado a estudantes de baixa renda no Centro de São Paulo. Download desta matéria.
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