Por: Luana Lima¹
São Paulo, 24 de junho de 2020
Pensar sobre a formação profissional, que carregamos como nossa, tende a nos acompanhar por um longo período. Não foi diferente comigo e não o será com você, caro leitor! Deste modo, estamos “imersos em achismos”, crenças, valores, sobre possíveis caminhos a seguir, onde profissões “destaques” nos são apresentadas: ser médica, advogada, engenheira, veterinária... Calma! As ocupações são apenas estas realmente? Depende! Felizmente, a opção profissional é, também, originária das relações que nos acompanham, isto pode vir a ser um problema, porque as referências e as possibilidade de acesso universitário limitam-se, por exemplo, a situações econômicas, emocionais e tantas outras formas socialmente impostas.
Ao decidir iniciar minha trajetória acadêmica, sabia que se quisesse acessar a universidade, enfrentaria as condições impostas, muitas vezes imperceptíveis, para dificultar minha admissão universitária, por isso, sempre trabalhei e estudei. A universidade pública se apresentava incerta, afinal de contas, minha família não teria como inserir nas prioridades mensais despesas extras, para que pudesse estudar. Desta maneira, tudo era muito calculado, pensado e repensado.
Ainda que minhas preferências oscilaram, por causa dos motivos relatados e mudanças da adolescência, no final do ensino médio me vi encantada por Psicologia e decidi que seria este o caminho... Pesquisei, estudei, batalhei, fui reprovada em universidades públicas e em particulares, como citei, dosava os fatores econômicos. O Programa Universidade para Todos (Prouni) estava no início, quando comecei a pretensão de admissão no vestibular. Além disso, ainda me era confuso e limitado, dado que por mais que parecesse facilitar o ensino particular, ainda não me era o suficiente, e, também, parecia restringir minha possibilidade de ingresso ao ensino público superior. Fiz técnico em nutrição, pois, precisava iniciar minha vida acadêmica, uma vez que tinha me formado no ensino médio em 2007 (urgências da juventude)! Em julho de 2011 formei-me técnica em nutrição e passei na faculdade (particular) São Camilo, para ingresso no curso de Nutrição em agosto do mesmo ano. Orgulho para família, décimo lugar na lista dos aprovados no vestibular da instituição com possibilidade de bolsa, na mesma época, trabalhava na área comercial para uma grande indústria farmacêutica. “Estou no caminho certo”, pensei, mas me enganei...
No segundo ano do curso, me encantou uma disciplina intitulada “Psicopedagogia da Nutrição”, por estar relacionada ao educar, ao aprendizado, porém descobri, em outras disciplinas, o desencanto da profissão, pensava com o que poderia trabalhar e ficava insatisfeita. Até que ocorreu um episódio, o conhecido ‘insight’ provocado pela situação, estava no ano de 2013, à noite saindo da aula, após um dia cansativo, quando fui abordada por um grupo de adolescentes que estavam entre 12 e 16 anos, fui assaltada, agredida. Uma dúvida me ocorreu: quais são as barreiras educacionais entre mim e o grupo de assaltantes? Todos jovens negros, assim como eu, vindo de algum lugar distante da tão movimentada Pompéia, talvez com educação pública como a minha e com muitas possibilidades. Por que a educação brasileira é restrita? Por que estes jovens não são vistos, incentivados? Por que existe a possibilidade de não estarem na escola? Naquele momento quis compreender o que nos diferenciou.
Após o episódio, e anos adiante, comecei a compreender que os financiamentos e bolsas de estudos, têm acessos reduzido aos jovens periféricos. Ir a universidades como: Harvard, Yale nos Estados Unidos ou Oxford na Inglaterra, para nós, percorria a barreiras tão bem estruturadas, que tendiam a irrealidade. Há poucas oportunidades para alcançar objetivos que desconhecemos.
Assim, seguindo um famoso jargão, “Com a cara e a coragem” mudei de curso, de universidade e lutei por uma nova bolsa. Estive em trabalhos exaustivos para custear meus estudos, para que em 2016 me formasse Psicopedagoga pela Unifieo. Com orientação de pessoas próximas e pesquisas, optei em fazer uma pós-graduação para abranger ainda mais meu conhecimento sobre as dificuldades de aprendizado. Com isso, ocorreu oportunidade de dar aula na Fundação Casa, antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor - Febem - a convite do Senac Osasco, ensinei em cursinhos populares e frequentei diversas escolas públicas e casas de acolhimento de crianças conhecidas como Saicas, além de atendimentos gratuitos como psicopedagoga.
Ainda assim, por acreditar que me responsabilizo com que falo e com o que compartilho, arrisquei, novamente, e aos 29 anos ingressei em uma UNIVERSIDADE FEDERAL! Atualmente curso Ciências na Universidade Federal de São Paulo - Unifesp. Estou ainda, aluna especial no PECMA - Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática.
Todos os dias são uma nova oportunidade para seguir adiante, levantar a cabeça e sonhar. Não será fácil, terá obstáculos, mas a possibilidade em ser espelho para os meus pares, já me faz acreditar que venci.
“Mas, se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo.” (Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido).
¹Luana Lima é psicopedagoga, graduada pela UNIFIEO e pós-graduada pelo Mackenzie. Deu aula na Fundação Casa e em cursinhos populares. Atualmente é graduanda de Ciências - Licenciatura e aluna especial do PECMA pela Universidade Federal de SP — UNIFESP.
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